A população em situação de rua, além de enfrentar os perigos
e dificuldades do dia-a-dia nas ruas, ainda enfrenta muitos problemas ao tentar
buscar os seus direitos. Em um acompanhamento processual que durou cinco anos,
a Defensoria Pública da União (DPU) no Recife (PE) garantiu o pagamento do
benefício de prestação continuada (BPC-Loas) para A.J.O., de 44 anos, que mora
na rua há mais de 10 anos, após enfrentar inúmeras dificuldades frente ao
contato com o assistido e às burocracias impostas pela Justiça Federal, como a
obrigatoriedade de apresentar comprovante de residência para quem mora na rua e
a curatela judicial para um cidadão que não possui familiares.
“Esse caso surgiu em 2016, quando a equipe de voluntários do grupo Samaritanos,
que faz rondas ajudando a população em situação de rua no Recife, solicitou a
minha ajuda diante da necessidade desse cidadão, antes mesmo do importante
convênio hoje em vigor entre o grupo, a DPU e a DPE. Ele tem HIV e a
incapacidade pela doença já tinha sido indeferida pelo INSS. Ele morava na rua
há mais de 10 anos. Com a necessidade de contato, participei de uma ronda com
os Samaritanos ainda em 2016, conversei com ele, peguei uma parte da
documentação e dei início ao Processo de Assistência Jurídica da DPU”, destacou
a defensora pública federal Fernanda Marques, que acompanhou o caso de A.J.O.
desde o início.
Diante da dificuldade de encontrar o assistido, que morava nas ruas e não
possuía formas de contato remoto, o recolhimento da documentação necessária
para instrução do processo judicial demorou mais do que o habitual. Nesse meio
tempo, um advogado particular entrou com uma ação em nome A.J.O.. “Isso ocorreu
em um dos lapsos de tempo que não conseguimos encontrá-lo nas ruas e a Vara
impôs várias dificuldades para o andamento do processo, entre elas a falta de
comprovante de residência. A juíza também solicitou a presença dele, mas
ninguém da Vara conseguia compreendê-lo e a juíza extinguiu o processo
particular sem julgamento de mérito”, explicou a defensora.
Ao conseguir retomar contato com A.J.O. e tomar ciência dos fatos, a defensora
marcou uma reunião com o coordenador do Juizado sobre a população em situação
de rua, para que essa questão do comprovante de residência fosse superada. Ela
também marcou uma perícia médica na DPU, para avaliar essa questão da falta de
entendimento das pessoas perante o assistido. “Nossa perita médica Raíssa
Correia detectou que, além do HIV, ele também era portador de distúrbio
cognitivo leve. Foi quando comecei a atuar em cima dessa incapacidade e não
mais na questão do HIV”, afirmou.
A ação judicial pedindo a concessão do benefício assistência à pessoa com
deficiência foi impetrada pela DPU em setembro de 2017. Após solicitações
diversas de documentos, comparecimento na Vara para explicar a falta de
comprovante de residência e a uma primeira tentativa de marcação de perícia
judicial sem sucesso, A.J.O. realizou a perícia judicial apenas em novembro de
2018. Com o resultado da perícia judicial, a Justiça Federal indicou a
necessidade de apresentação de um curador para recebimento do benefício e
valores atrasados.
Como a curatela judicial é feita pela Justiça Estadual, o assistido foi
orientado a procurar a Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPPE) para
colocar um amigo, que se disponibilizou a ajudar, como curador; já que ele não
possui familiares. Enquanto seguia o processo da curatela, Fernanda Marques
ainda requereu no juízo federal que o benefício fosse disponibilizado antes da
curatela provisória, considerando a necessidade do mesmo e o tempo para
conclusão do processo na esfera estadual, mas o pedido foi indeferido.
A curatela judicial provisória só foi emitida em maio de 2020 e a DPU no Recife
solicitou o desarquivamento do processo federal. O benefício de prestação
continuada (BPC-Loas) foi implantado em junho, durante a pandemia do
coronavírus, e os atrasados foram disponibilizados no início desse mês de
setembro.
“Com esse valor mensal, o amigo e curador de A.J.O. conseguiu alugar um
apartamento para ele. É a primeira vez em mais de 10 anos que ele tem onde
morar. Mas os problemas continuam. Ele passou a sofrer preconceitos no prédio
onde reside e também ainda está em adaptação com a rotina fora das ruas”, disse
a defensora, que pretende fazer o encaminhamento do cidadão para obter os
serviços de Assistência Social do município do Recife. “Sem dúvidas, esse caso
foi o de maior dificuldade enfrentada em meus 10 anos de DPU, e que apenas
obteve resultado final favorável pelo comprometimento de uma dedicação especial
e diferenciada, que na maioria das vezes não possuímos condições, diante da
enorme demanda, envolvendo outras matérias. Premente a extrema necessidade das
Defensorias irem em busca da população de rua para garantir-lhe efetivamente
direitos básicos”, finalizou Fernanda Marques.
ACAG/MRA
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União