segunda-feira, 5 de junho de 2017

DPU no Recife pede inclusão como amicus curiae em caso de terras quilombolas

A Defensoria Pública da União no Recife está acompanhando, como amicus curiae (amigo da Corte), um incidente de arguição de inconstitucionalidade referente ao Decreto 4.887, de 2003, que será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) até o final de junho. O incidente foi apresentado em um processo que discute a desapropriação de um imóvel rural no Rio Grande do Norte, movido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), visando à regularização fundiária da comunidade quilombola de Acauã.

Foi o Decreto 4.887/2003 que regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas de que trata o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O ADCT reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos e reforça o dever do Estado em emitir seus respectivos títulos.

“Alguns fazendeiros do Rio Grande do Norte estão questionando o Decreto 4.887 no TRF dentro de um processo que o Incra move para desapropriar terras para comunidades quilombolas. O incidente de inconstitucionalidade vai ser julgado pelo plenário do TRF, e, caso seja considerado inconstitucional, essa decisão vai inviabilizar toda a política de assentamento das comunidades quilombolas dentro dos estados da 5ª Região. Então, a Defensoria pediu ingresso como amicus curiae nesse incidente e vai apresentar memoriais defendendo a constitucionalidade do decreto”, destacou o defensor público federal Geraldo Vilar Correia Lima Filho, responsável pelo Ofício Regional de Direitos Humanos no Recife.

Reuniões


Considerando a importância desse julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o defensor Geraldo Vilar realizou reuniões ao longo das últimas duas semanas na sede da DPU no Recife para debater o tema. A primeira reunião aconteceu no dia 26 de maio com Gabriella Rodrigues, advogada da Comissão Pastoral da Terra, e Jackeline Florêncio, advogada do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Pernambuco (PEPDDH).

“A Defensoria Pública tem um papel preponderante na defensa de comunidades tradicionais e esse é um caso emblemático que pode impactar milhares de famílias quilombolas. Do ponto de vista social, as comunidades quilombolas no Brasil têm indicadores sociais que são muito abaixo dos indicadores de áreas mais pobres das cidades. Um dos passos preponderantes e principais para que as comunidades possam acessar direitos e políticas públicas básicas é que a comunidade tenha acesso ao território étnico, ao território ancestral. Então, se você inviabiliza o acesso ao território étnico, você inviabiliza o acesso a outros direitos humanos. Logo, o impacto é ainda mais amplo”, disse Jackeline Florêncio.

Gabriella Rodrigues adicionou outros motivos para explicar porque é importante para as comunidades quilombolas que essa arguição de inconstitucionalidade seja julgada a favor do decreto em questão. “Outra preocupação é que crie um precedente negativo e que esse precedente possa influenciar de alguma forma no julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3.239, contra o Decreto 4.887 e que está em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal). Então, além da repercussão direta nas famílias que moram nos estados da 5ª Região, ainda tem a possibilidade de uma repercussão no Brasil inteiro”, afirmou a advogada da Comissão Pastoral da Terra.


A segunda reunião aconteceu na última quarta-feira (31) e teve a participação de Gabriella Rodrigues e Renata Albuquerque, da Comissão Pastoral da Terra; Eduardo Fernandes Araújo, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); e Priscilla Lima de Carvalho Silva, da Procuradoria Regional Federal da 5ª Região (PRF5).

Durante os encontros foram delimitadas algumas formas de atuação de todos os entes envolvidos antes do julgamento no TRF, que deverá ocorrer no dia 21 de junho. Entre as ações estão a habilitação de 21 comunidades quilombolas e alguns movimentos sociais no processo como amicus curiae, a articulação política e estudantil de apoio, a necessidade de despacho com os desembargadores que vão votar o incidente, a busca por elementos técnicos nas universidades que têm curso de Geografia e Antropologia, bem como o reforço sobre a necessidade de haver um debate mais amplo com uma audiência pública dentro do processo.