A Defensoria Pública da União no Recife está acompanhando,
como amicus curiae (amigo da Corte), um incidente de arguição de
inconstitucionalidade referente ao Decreto 4.887, de 2003, que será julgado
pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) até o final de junho. O
incidente foi apresentado em um processo que discute a desapropriação de um
imóvel rural no Rio Grande do Norte, movido pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), visando à regularização fundiária da
comunidade quilombola de Acauã.
Foi o Decreto 4.887/2003 que regulamentou o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas de que trata o
artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O ADCT
reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades de quilombos e reforça o dever do Estado em emitir seus respectivos
títulos.
“Alguns fazendeiros do Rio Grande do Norte estão
questionando o Decreto 4.887 no TRF dentro de um processo que o Incra move para
desapropriar terras para comunidades quilombolas. O incidente de
inconstitucionalidade vai ser julgado pelo plenário do TRF, e, caso seja
considerado inconstitucional, essa decisão vai inviabilizar toda a política de
assentamento das comunidades quilombolas dentro dos estados da 5ª Região.
Então, a Defensoria pediu ingresso como amicus curiae nesse incidente
e vai apresentar memoriais defendendo a constitucionalidade do decreto”,
destacou o defensor público federal Geraldo Vilar Correia Lima Filho,
responsável pelo Ofício Regional de Direitos Humanos no Recife.
Reuniões
Considerando a importância desse julgamento pelo Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, o defensor Geraldo Vilar realizou reuniões ao
longo das últimas duas semanas na sede da DPU no Recife para debater o tema. A
primeira reunião aconteceu no dia 26 de maio com Gabriella Rodrigues, advogada
da Comissão Pastoral da Terra, e Jackeline Florêncio, advogada do Programa de
Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Pernambuco (PEPDDH).
“A Defensoria Pública tem um papel preponderante na defensa
de comunidades tradicionais e esse é um caso emblemático que pode impactar
milhares de famílias quilombolas. Do ponto de vista social, as comunidades
quilombolas no Brasil têm indicadores sociais que são muito abaixo dos
indicadores de áreas mais pobres das cidades. Um dos passos preponderantes e
principais para que as comunidades possam acessar direitos e políticas públicas
básicas é que a comunidade tenha acesso ao território étnico, ao território
ancestral. Então, se você inviabiliza o acesso ao território étnico, você
inviabiliza o acesso a outros direitos humanos. Logo, o impacto é ainda mais
amplo”, disse Jackeline Florêncio.
Gabriella Rodrigues adicionou outros motivos para explicar
porque é importante para as comunidades quilombolas que essa arguição de
inconstitucionalidade seja julgada a favor do decreto em questão. “Outra
preocupação é que crie um precedente negativo e que esse precedente possa
influenciar de alguma forma no julgamento da ADI (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) 3.239, contra o Decreto 4.887 e que está em tramitação
no STF (Supremo Tribunal Federal). Então, além da repercussão direta nas
famílias que moram nos estados da 5ª Região, ainda tem a possibilidade de uma
repercussão no Brasil inteiro”, afirmou a advogada da Comissão Pastoral da Terra.
A segunda reunião aconteceu na última quarta-feira (31) e
teve a participação de Gabriella Rodrigues e Renata Albuquerque, da Comissão
Pastoral da Terra; Eduardo Fernandes Araújo, professor da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB); e Priscilla Lima de Carvalho Silva, da Procuradoria Regional
Federal da 5ª Região (PRF5).
Durante os encontros foram delimitadas algumas formas de
atuação de todos os entes envolvidos antes do julgamento no TRF, que deverá
ocorrer no dia 21 de junho. Entre as ações estão a habilitação de 21
comunidades quilombolas e alguns movimentos sociais no processo como amicus
curiae, a articulação política e estudantil de apoio, a necessidade de despacho
com os desembargadores que vão votar o incidente, a busca por elementos
técnicos nas universidades que têm curso de Geografia e Antropologia, bem como
o reforço sobre a necessidade de haver um debate mais amplo com uma audiência
pública dentro do processo.