A Defensoria Pública da União (DPU) no Recife e o Fórum de Juventude Negra de Pernambuco (Fojunepe) realizaram o seminário “Defensoria Pública e Movimentos Sociais: Negritudes, Identidade e Luta contra o Racismo”, na quinta-feira (22), no auditório da sede da DPU no Recife.
Na abertura do evento, a defensora pública-chefe da DPU no Recife, Tarcila Maia, falou sobre a importância de haver instituições plurais, com representatividade. “A DPU vem avançando nesse sentido: temos cotas nas seleções de estagiários, e nos recentes concursos para servidores e defensores também tivemos”. Tarcila Maia observou que todos os temas abordados no seminário “são muito relevantes no contexto atual do nosso país, que vive um grande retrocesso em matéria de direitos humanos”.
No primeiro momento da programação, foi abordado o tema do extermínio da juventude negra, com mediação da defensora pública federal Tarcila Maia, e participação de Derson Silva (Fojunepe), de Nice Nick (ativista digital: 100% negra), de Girlana Diniz (gerente de igualdade racial da Prefeitura do Recife) e de Jaqueline Soares (grupo AdoleScER).
O segundo painel, sobre resistência quilombola, foi mediado pelo defensor público federal Geraldo Vilar, em mesa presidida pelo defensor público federal André Carneiro Leão, com a apresentação de Magno Araújo (Comunidade Quilombola Ilha de Mercês), de Fátima Silva (Comunidade Quilombola Onze Negras) e de Bianca Stella Barroso (Ministério Público de Pernambuco).
A solidão da mulher negra foi o tema da mesa do terceiro debate. A defensora pública federal Fernanda Marques, que atuou como mediadora, disse estar emocionada com a oportunidade pela sua identificação como negra por ser parda. “E a solidão é um ponto que mexe muito com a mulher. A mulher não pode se sentir sozinha por ser negra, é inadmissível”, afirmou.
A educadora e pesquisadora Rivane Arantes, representante do SOS Corpo, fez um relato da situação das mulheres negras, com o alto índice de encarceramento e baixa ocupação de espaços de poder, e ressaltou a importância do diálogo com a DPU para garantir políticas públicas. “Para parte da sociedade, vivemos uma igualdade racial. Mas o nosso corpo serve para os trabalhos domésticos, braçais e indesejáveis”, alertou a educadora.
Para a advogada e pesquisadora Sara Luz, integrante do Grupo de Criminologia Asa Branca, o tema exigiu um recorte afetivo sobre várias questões - sobre quem exerce o poder de definir a identidade, o que é o belo, o que é o amável – e que essa solidão acaba sendo uma escolha pessoal e um contexto social de democracia racial e machismo. “Nós vivemos uma supremacia dos valores brancos, que são identificados com as melhores coisas, as mais positivas. A grande questão é que a gente vem vivendo um processo de empoderamento que precisa ser considerado. Ser negro é lutar contra uma cultura de subalterno”, disse Luz.
Com uma homenagem a Marielle Franco, a psicóloga Talita Rodrigues, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, abordou o desafio de ser uma mulher negra. Ela ressaltou a importância de se observar o caminho histórico e pessoal de cada um, com processos de subjugação e aniquilação psíquica. “Quando se depara com o(a) negro(a), a vida dessa pessoa está marcada pelo machismo e pelo racismo”, asseverou a psicóloga.
A ativista e defensora de direitos humanos Rivânia Rodrigues, da Rede Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais Negras Autônomas e Feministas – Candaces, fez um recorte de problemas da mulher lésbica, transexual e bissexual. “Na saúde, por exemplo, não consegue ser mãe porque o SUS não garante a inseminação. Também não conseguem emprego pelo estereótipo masculino e por ser negra. Estamos voltando a ser escravos novamente”, relatou Rodrigues.
A última mesa tratou das faces do racismo institucional. O presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Igor Roque, fez a mediação do encontro. Roque afirmou se incluir entre a população negra e disse ter aceitado o convite porque a Anadef tem entre as atribuições estatutárias combater o racismo e tentar mudar essa injustiça racial. “O racismo é o nosso maior problema social. Todos os problemas sociais têm um ponto de partida comum, que é o racismo”, afirmou.
A professora e pesquisadora Liana Lewis, do Núcleo de Pesquisa em Relações Raciais Frantz Fanon (Nupper) da Universidade Federal de Pernambuco, tratou do racismo nas relações estruturais da sociedade. “A raça é uma categoria mais estruturante, vai além de gênero”, afirmou. A professora abordou como as instituições lidam com o negro no Brasil, que falham em não oferecer um tratamento com dignidade. “O negro onde ele chega, ele vai ser negro. No racismo, os negros não são considerados plenamente humanos. As instituições não vão considerá-los com o devido respeito”, criticou Lewis. Ela também alertou que o encarceramento em massa da população negra é uma das faces mais evidentes do genocídio negro e do racismo institucional.
O representante do Coletivo Mangueiras, Henrique Costa, ativista LGBT, agradeceu o convite para participar do encontro e fez uma proposta de trazer provocações sobre a sexualidade e raça. “A heterossexualidade como norma é um processo de colonização. Qual sexualidade é mais digna, mais aceita?, questionou. Costa afirmou que são positivas e legítimas as várias formas de sexualidade e de comportamento com o corpo e fez uma denúncia contra a violência de uma LGBTfobia racializada.
A fala final do debate foi realizada pelo coordenador do Fojunepe, o assistente social Derson Silva, que falou que a discussão racial está relacionada à impossibilidade do negro de viver. “Somos mortos muitas vezes antes das balas. As instituições estão contaminadas pelo racismo. E o negro, na condição de escravizado, está ali para servir”, disse. Ele afirmou que as instituições operam e legitimam o racismo. “O negro é o inimigo interno, que sofre com o autoritarismo e o punitivismo. Mas é permitido às autoridades que comentam crimes e saiam impunes”, afirmou Silva.
No evento, também foi realizada uma exposição do trabalho do artista Eliosval Fortunato.
http://www.dpu.def.br/noticias-pernambuco/157-noticias-pe-slideshow/41781-dpu-no-recife-promove-seminario-de-luta-contra-o-racismo